Bitcoiners do Brasil, o Governo acaba de entregar a segunda fase da Reforma Tributária ao Congresso, e você nesse momento deve estar se perguntando o que muda para nós, investidores de criptoativos.
De fato, a Reforma introduz alterações bastante significativas para determinados segmentos. Porém, devo dizer que nessa proposta encaminhada pelo Governo salta aos meus olhos o tratamento dado especialmente ao IR para investimentos.
Os investidores da bolsa de valores, por exemplo, foram contemplados com diversas inovações: a ampliação das possibilidades de compensação de prejuízos financeiros, antes restritas a operações de mesma natureza, e, agora, pela nova proposta, aplicáveis também operações de rubricas distintas; a introdução de alíquota única; a exclusão do Imposto de Renda Retido na Fonte, o famoso dedo-duro, cuja finalidade exatamente era dar informação ao Fisco sobre atividade em mercado financeiro; e, além disso, a alteração da frequência da apuração de ganhos, que pela nova proposta passa a ser trimestral, em vez de mensal.
Porém, quando se trata dos investidores de criptoativos, o que vemos é a perpetuação de uma situação de absoluto descaso do ponto de vista legal.
A questão, por exemplo, da possibilidade de compensação de prejuízos é um assunto bastante delicado para os investidores de criptoativos, que de que fato são bastante penalizados pela ausência de regramento nesse sentido. Da mesma forma, a frequência da apuração de ganhos também afeta bastante a vida do pequeno investidor. E como houve alterações nesse sentido, por mero bom senso, seria o momento onde essas distorções deveriam ser corrigidas. Porém o que estamos vendo é algo bem diferente, pois os investidores de criptoativos foram solenemente ignorados no texto da proposta.
Onde nós entramos, Ministro Paulo Guedes?! Como ficam os investidores de criptoativos? Não seria aqui o momento de determinar de uma vez a possibilidade de compensação de prejuízos?
Bom, pessoal, a minha conclusão, pela análise da proposta encaminhada pelo Governo, é a seguinte: em que pese o mercado financeiro ter sido contemplado com a criação de diversos mecanismos, alguns bastante facilitadores, como os que se aplicam à bolsa de valores e a outros produtos financeiros já consagrados, me parece que mais uma vez vamos perder uma chance de ouro e dar um melhor tratamento tributários aos criptoativos, tornando a tributação mais clara, lógica e justa.
Reafirmo que, a possibilidade de compensação de prejuízos envolvendo operações com criptoativos, a exemplo do que já é praticado no caso da bolsa de valores, significaria um avanço gigantesco para o investidor, e corrigiria um absurdo flagrante que persiste unicamente por falta de previsão legal. Da mesma forma, a apuração trimestral, a exemplo do que se pretende aplicar à bolsa de valores, também caberia perfeitamente ao mercado de cripto, e significaria um ganho muito grande especialmente para o pequeno investidor.
Então a situação concreta é que mais uma vez o bonde anda, e nós ficamos para trás. Continuamos à deriva, sem qualquer solução concreta para as gritantes distorções que hoje penalizam os investidores de criptoativos. E como profissional da área, porta-voz de milhares de investidores brasileiros de criptoativos, não poderia deixar de registrar o meu protesto em relação a essa postura absolutamente omissa por parte do Governo.
Um reflexo secundário, e que aí sim, abarca também o setor, é a correção da tabela do imposto de renda.
Nesse ponto, eu devo dizer que a Reforma de fato produziu algum efeito sobre as pessoas que recebem salários ou proventos em criptos, mas apenas secundário, na medida em que esses operadores sejam contribuintes pessoas físicas.
Nno mundo contemporâneo não podemos desprezar a figura cada vez mais presente do recebimentos de salários e proventos em criptoativos. São pessoas físicas que prestam serviço a também outras pessoas físicas ou mesmo a pessoas jurídicas e cujo pagamento fica sujeito à tributação através do Carne Leão. Aliás, nessa categoria podem ser incluídos aqueles que tiveram ganhos em jogos ou que receberam pagamentos do exterior.
Pela proposta, o Carnê-Leão acompanhará o ajuste pelo qual passará a tabela do IR, não atualizada desde 2015.
Vejamos as tabelas, a atual e a proposta:
Na prática, e caso a nova proposta passe a vigorar, alguns contribuintes, dependendo da faixa em que estiverem, poderão pagar imposto a menor ou mesmo ficarem isentos.
Ah, então estou isento de ganho de capital também? Nãooo. Está isento, conforme a tabela, no que diz respeito ao recebimento do bitcoin como salário, como renda, não como ganho de capital, que é uma situação completamente distinta.
Outra questão que também importa à criptoeconomia, tanto quanto em outros setores, e que chama a atenção, é o tratamento dado às offshores, que geralmente estão situadas em paraísos fiscais. O governo propõe uma regra anti-diferimento, com o intuito de impedir que pessoas físicas represem rendimentos em empresas sediadas em paraísos fiscais.
E o que isso quer dizer?
Quer dizer que anteriormente você poderia não pagar imposto sobre lucro obtido em uma offshore sediada em paraíso fiscal, desde que este não fosse distribuído ou creditado, no exterior ou no Brasil. O que muda? Tudo.
Os lucros nesse caso serão considerados tributáveis na data de apuração do balanço, ainda que distribuídos ou não, considerando-se, ainda, a variação cambial positiva, que passa a ser tributada como ganho de capital. Ou seja, não vale mais abrir empresa lá fora e ficar segurando renda no exterior, porque o contribuinte terá de fazer a apuração de ganho e tributar, necessariamente.
Essa é minha leitura da proposta até aqui, vejamos os próximos capítulos.
Texto escrito por Ana Paula Rabello e publicado originalmente no blog Declarando Bitcoin. Rabello é Contadora, Perita Judicial e Especialista em Imposto de Renda.
Ana Paula Rabello