A Lei das Criptomoedas (Lei 14.478/22) entrou em vigor nesta terça-feira (20), mas as mudanças mais impactantes que devem ser aplicadas ao mercado cripto brasileiro devem demorar um pouco mais para serem aplicadas.
A Presidência da República escolheu o Banco Central para ser o órgão regulador do setor. Mas essa decisão foi tomada apenas no último dia 14 de junho. Agora, detalhes de como o mercado irá operar serão determinados pelo BC por meio de regramentos e normas.
O Portal do Bitcoin entrevistou especialistas no setor para entender o que é a lei, o que muda a partir de agora e o que o Banco Central deve estabelecer de regra nos próximos tempos.
Bernardo Srur, diretor-presidente da Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto), comemora a entrada em vigor da lei e destaca o papel que ela irá ter no mercado cripto do Brasil.
“Com a entrada em vigor do Marco Legal, temos um primeiro norte para criar um cenário regulatório menos fragmentado”, afirma.
A seguir, veja o que a Lei das Criptomoedas muda na prática:
A Lei das Criptomoedas é uma nova legislação aprovada pelo Congresso nacional que estabelece quais são as regras que as “prestadoras de serviços de ativos virtuais” (as corretoras de criptomoedas são o exemplo mais conhecido dessa categoria) devem obedecer.
Pela lei, um ativo virtual passa a ser definido como “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”. Não entram nessa definição moedas fiduciárias nacional e estrangeiras, ações e programas de fidelidade e milhagem.
A Lei também determina que o Poder Executivo, comandado pelo Presidente da República, irá apontar um órgão para ser o regulador e fiscalizador do setor. Lula escolheu o Banco Central para ser o principal órgão regulador, com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) cuidando de ativos que possam ser classificados como valores mobiliários.
O advogado e ex-analista da CVM, Isac Costa, afirma que as únicas regras que poderiam ser aplicadas pelos tribunais a partir de hoje são a incidência expressa do Código de Defesa do Consumidor e o enquadramento de condutas no novo art 171-A do Código Penal (estelionato com ativos virtuais).
“Neste último caso, tanto o Ministério Público quanto o Poder Judiciário teriam que distinguir a conduta dos tipos penais normalmente aplicados a esses casos: pirâmide financeira da Lei 1.521/1951 (de competência da Justiça comum) ou oferta irregular de valores mobiliários (Lei 7.492/1986, de competência da Justiça Federal)”, afirma.
A advogada Nicole Dyskant, advisor da Fireblocks, ressalta que os provedores de serviços e outros intermediários devem, desde já, observar as diretrizes gerais e princípios desse setor, “como a liberdade de empreendimento e de concorrência, boas práticas de gestão, transparência nas transações e uma abordagem baseada em riscos”.
A especialista aponta também que devem garantir a segurança da informação e a proteção dos dados pessoais, defender os direitos dos consumidores e usuários, prevenir a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo e a proliferação de armas de destruição, em conformidade com os padrões internacionais.
Conforme aponta a Agência Câmara, a Lei 14.478/22 acrescenta no Código Penal um novo tipo penal de estelionato, atribuindo reclusão de 4 a 8 anos e multa para quem organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento.
Na Lei de Lavagem de Dinheiro, o texto inclui os crimes realizados por meio da utilização de ativo virtual entre aqueles com agravante de 1/3 a 2/3 a mais da pena de reclusão de 3 a 10 anos, quando praticados de forma reiterada.
O advogado Isac Costa lembra que vários pontos agora serão definidos pelo Banco Central: “A fiscalização da prestação de serviços, a exigência de autorização e a comunicação ao COAF de operações suspeitas precisa esperar o detalhamento que ainda virá”, afirma.
Como regulador, o Banco Central terá diversas atribuições e poderes. Será o órgão que poderá autorizar o funcionamento da empresa, a transferência de controle, fusão e cisão.
O BC também poderá estabelecer condições para o exercício de cargos em órgãos estatutários e contratuais nestas empresas e autorizar a posse e o exercício de pessoas para cargos de administração.
Como explica Yan Viegas Silva, sócio da área de Direito Societário do escritório Silveiro Advogados, as empresas que já estão operando no Brasil terão no mínimo seis meses para se adequarem às novas regras do Banco Central, começando a contar assim que forem publicadas.
As novas prestadoras de “serviços de ativos virtuais” que quiserem começar a exercer atividade no Brasil já começam a precisar de autorização do Bacen.
O presidente da ABCripto, Bernardo Srur, aponta que a entrada em vigor da lei irá fazer o mercado vai seguir uma mesma régua que prevalece a segurança dos investidores cripto. “A garantia de mais segurança jurídica com a nova legislação deve alavancar investimentos no mercado de criptoeconomia brasileiro”, analisa Srur.
O advogado Yan Viegas Silva afirma que a regulação tende a fomentar o investimento no país, em razão de uma maior previsibilidade sobre os limites e responsabilidades de cada player.
“Espera-se uma maior segurança jurídica e menos disputas de poder entre entidades no tocante à área de atuação, evitando-se que ocorra algo tal como vem ocorrendo nos Estados Unidos entre SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos EUA – órgão equivalente à CVM) e CFTC (Comissão de Negociação de Futuros de Commodities dos EUA), na qual a ausência de regulamentação específica gera um debate acirrado sobre a competência de cada entidade para regular os criptoativos”, diz Silva.
Priscila da Silva Couto, senior policy manager da Ripple, também vê como positiva a entrada em vigor da lei: “O Marco Legal dos Criptoativos fornece uma estrutura regulatória muito necessária para que os ativos digitais operem no mercado e a capacidade do Banco Central do Brasil de regulamentar os criptoativos ajudará a indústria cripto a florescer.”