O Marco Legal das Criptomoedas entrou oficialmente em vigor nesta terça-feira, 20, colocando o Brasil em um grupo seleto de países que estabeleceram regras específicas para o funcionamento de empresas do setor. O foco da legislação brasileira é na proteção de investidores e clientes, criando novas exigências para a operação das companhias e com tipificações específicas para crimes envolvendo ativos digitais.
A lei voltada para o segmento cripto foi sancionada em dezembro, mas as medidas trazidas por ela entraram em vigor oficialmente após um período de seis meses, permitindo adaptações do setor. Com isso, as empresas que atuam no setor cripto brasileiro poderão sofrer punições caso não se adequem aos elementos da nova lei. A regulamentação foi elogiada por empresas nacionais e internacionais, que esperam mais segurança e clareza para operarem, mas ainda com regras pró-mercado e inovação.
Entretanto, ainda há um outro passo importante: a regulação infralegal. Essa etapa envolve o estabelecimento de normas específicas para as operações e registro de empresas de criptomoedas - inclusive corretoras - que serão definidas pelo Banco Central, escolhido como regulador por meio de um decreto do governo federal. O decreto também definiu as competências da CVM para o segmento, que poderá atuar quando ativos digitais forem considerados valores mobiliários.
O principal objetivo do Marco Legal das Criptomoedas é combater a prática de crimes com criptoativos, incluindo lavagem de dinheiro e pirâmides financeiras, e criar mecanismos de proteção aos investidores ao aumentar o escrutínio em relação às empresas que atuam no setor. Especialistas também ressaltam que ela trará mais segurança jurídica para o setor, atualmente em expansão no Brasil.
A lei estabelece que um ativo virtual passa a ser considerado uma "representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento".
O texto aprovado acrescenta, no Código Penal, um novo tipo de estelionato ligado a criptomoedas, atribuindo reclusão de 4 a 8 anos e multa para quem "organizar, gerir, ofertar ou distribuir carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros com o fim de obter vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento".
Já as empresas ligadas a criptomoedas também deverão compartilhar um número maior de informações com órgãos do governo e precisarão de uma autorização para exercer as atividades no Brasil. Entre as medidas que as empresas precisarão seguir estarão regras mais rígidas de coleta de informações de clientes, e a verificação das mesmas, mais clareza sobre transações e fornecedores, além de regras de governança e avaliação de riscos.
Na prática, o Banco Central vai ser responsável por supervisionar a atuação de prestadoras de serviços que trabalham com ativos digitais, criando regras para o seu funcionamento e orientada a partir do Marco Legal das Criptomoedas. Especialistas afirmam à EXAME que ainda haverá um tempo maior até que a maior parte de suas determinações sejam efetivamente implementadas pelas empresas. Essa diferença ocorrerá porque é apenas com a publicação do decreto que começa a chamada etapa de regulamentação infralegal.
Mirella Andreola, advogada sócia das áreas de Societário, Contratos e Inovação do Machado Associados, espera que o Banco Central prepare uma minuta da norma com as regras para as empresas de criptomoedas, submetendo-a a uma consulta pública, em um processo semelhante à regulamentação de outras áreas. "Assim, é importante que todos os interessados, especialmente as empresas que serão objeto da regulamentação, fiquem atentos às publicações do BC para que possam participar da consulta pública, se houver", destaca.
"Segundo o Marco Legal dos Criptoativos, a regulamentação do BC deverá conferir um prazo de, pelo menos, seis meses para adequação das prestadoras de serviços virtuais, mas pode ser que tal prazo seja majorado pelo órgão regulador, a depender da complexidade dos requisitos para obtenção da autorização de funcionamento", diz a advogada.
Já a CVM anunciou que está trabalhando na criação de um novo arcabouço regulatório para os criptoativos que sejam considerados valores mobiliários. A autarquia destacou que vai continuar trabalhando ao longo deste ano para o "desenvolvimento de novo arcabouço regulatório para a constituição e administração de mercados organizados de valores mobiliários, inclusive tokenizados". O objetivo é criar "uma regulamentação mais compatível com os volumes transacionados e a complexidade de novos mercados".
Um ponto que gerou críticas por parte de especialistas foi a retirada no projeto do Marco Legal das Criptomoedas da necessidade das corretoras realizarem a segregação patrimonial, separando os seus ativos dos fundos de clientes. A medida, considerada importante para reduzir prejuízos em casos como a falência da FTX, chegou a ser incluída no Senado, mas foi retirada na Câmara.
Tatiana Mello Guazzelli, sócia do Pinheiro Neto Advogados, avalia que a segregação "propiciaria uma maior segurança a esse mercado". Nesse sentido, ela acredita que a regulamentação infralegal - sob responsabilidade do Banco Central - "buscará trazer uma maior proteção para os ativos mantidos por clientes nas exchanges, tanto em relação aos criptoativos quanto aos recursos em reais que geralmente os clientes transferem para as exchanges para a compra de criptoativos e ficam lá mantidos enquanto essa compra não é concluída ou, ainda, quando vendem criptoativos e não retiram os recursos da exchange".
Como não há previsão legal no momento, ela acredita que o BC não poderia exigir uma segregação patrimonial semelhante à das instituições de pagamento, precisando de uma lei específica sobre o tema. Entretanto, "seria possível criar algumas regras infralegais para proteger esses ativos, tais como regras contábeis ou vedação de as exchanges utilizarem esses ativos para determinados fins, como, por exemplo, determinar que uma exchange não pode dar os criptoativos detidos por conta e ordem de seus clientes em garantia de obrigações assumidas pela exchange.
"De toda forma, eu não descartaria a possibilidade da segregação patrimonial ainda ser abordada em uma lei separada", avalia a especialista. Já Nicole Dyskant, advogada especialista em regulação e compliance para ativos digitais, acredita que pode ser possível incluir o tema na etapa de regulação infralegal. A expectativa dela é que a exigência seja semelhante à imposta para meios de pagamento, mas o Banco Central ainda vai precisar avaliar se já tem respaldo legal para entrar no tema.