Na última semana, o Bradesco tokenizou uma Cédula de Crédito Bancário de R$ 10 milhões e entrou no mercado de balcão em blockchain do Brasil, caminho que havia sido trilhado no mês anterior pelo Beenx, o primeiro mercado de energia elétrica nacional a utilizar essa tecnologia blockchain. Os exemplos são vários, em diversos segmentos, porque a tecnologia impulsionadora das criptomoedas favorece os smart contracts (contratos inteligentes), que, como o próprio nome diz, não deixam dúvidas ao imporem os termos do acordo ao código, sem a necessidade de intermediadores.
No contexto dos contratos atuais, em papel, ainda que digitalizados, que envolvem pessoas e empresas, o que está escrito, embora o princípio da legislação brasileira seja o da boa fé entre as partes, nem sempre é o que os envolvidos interpretam. Isso frequentemente resulta em litígios que vão parar nos tribunais, já que, acima dos contratos, também estão as leis. Nessa seara, os atores são vários: juízes, advogados, cartórios, testemunhas, e por aí adiante. E mesmo que os contratos não sejam objeto de discórdia, eles ainda envolvem custos, que vão desde reconhecimentos de autenticidade de assinaturas até as taxas.
O advogado Márcio Pompeu avalia que o setor jurídico vê com bons olhos o amadurecimento da blockchain. Para ele, “os contratos inteligentes, cada vez mais presentes no nosso dia a dia, são considerados meios seguros de autenticação, especialmente no que diz respeito à sua inviolabilidade e transparência.”
“Todas essas circunstâncias, evidentemente, colaboram para a segurança jurídica da transação. Além disso, também há possibilidade de otimizar processos e procedimentos”, explica.
O especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) ainda acha que é cedo para a determinação do fim da utilização dos contratos em papel em razão da eventual adoção da blockchain.
“Notamos uma drástica redução no uso do papel no nosso dia a dia, principalmente diante da possibilidade de se coletar as assinaturas de forma eletrônica. No entanto, algumas entidades públicas e privadas ainda apresentam resistência sobre o uso de blockchain e até mesmo das assinaturas eletrônicas. Por outro lado, para ilustrar, temos o excelente exemplo da Jucesp, que admite a integralização do capital social de uma empresa por meio de criptoativos, além de aceitar as assinaturas eletrônicas”, observa.
O jurista ainda pontua que, além da redução de papel, a blockchain e os smart contracts são capazes de reduzir os custos de transação, tanto pela redução do papel, quanto pela eliminação de intermediários. Além disso, o uso dessa tecnologia proporciona celeridade, o que se traduz em economia.
Em relação aos litígios contratuais, Pompeu considera que:
“Serão reduzidos, pois a blockchain proporciona meios seguros de autenticação das partes e até mesmo o rastreio de atividades ou produtos, o que favorece os elementos probatórios de uma transação, reduzindo os questionamentos jurídicos sobre essas circunstâncias. No entanto, é importante destacar que questões envolvendo fraudes, direitos autorais, relações contratuais e consumeristas ainda existirão. Recentemente, o próprio Procon/SP reconheceu que compras de NFTs [tokens não fungíveis] em empresas brasileiras poderão ser devolvidas dentro de sete dias, com base no ‘direito de arrependimento’, previsto no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.”
Para o advogado, a blockchain transformou positivamente o cotidiano das pessoas em razão da simplificação das transações e negociações das mais variadas formas e novos mercados surgiram a partir da chegada das criptomoedas, o que trouxe novos desafios para o setor jurídico.
Em janeiro deste ano, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, sancionou uma lei que prevê a utilização da blockchain para promover a transparência de dados da administração municipal, conforme noticiado.