Quando lançou o Bitcoin (BTC) em 2009, Satoshi Nakamoto eternizou uma capa do jornal britânico The Times. A capa alertava para um segundo resgate ao sistema bancário do país, assolado pela crise de 2008. A imagem abaixo tornou-se uma das mais famosas do século XXI.
Na ocasião, o resgate foi aprovado por um certo “chancellor”, ou chanceler na tradução em português. Pouca gente sabe quem é esse chanceler e qual exatamente sua função no governo britânico, mas ele ocupa um dos postos-chave do gabinete.
Primeiramente, o nome completo do cargo é Chancellor of Exchequer, que significa Chanceler do Tesouro. No dia-a-dia britânico, o cargo geralmente é abreviado e chamado apenas de chancellor.
O Chanceler do Tesouro, ao contrário do que muitas pessoas associam, não se trata do primeiro-ministro britânico. Ele é o equivalente ao ministro da Economia do país, ou seja, o homem responsável por cuidar das finanças do governo. O chanceler faz parte dos chamados Grandes Escritórios de Estado, que incluem:
Adicionalmente, o Chanceler do Tesouro é o responsável pelo Tesouro de Sua Majestade (HMT, na sigla em inglês), que corresponde ao Tesouro Nacional. Ou seja, ele é o responsável pelo orçamento do governo britânico, incluindo aí o controle das políticas fiscal e monetária.
Nesse sentido, o Chanceler pode aprovar aumentos de impostos e a emissão de pacotes de auxílio a pessoas e empresas. Esses pacotes ganharam força durante a crise de 2008, sendo usados como forma de tentar evitar um colapso da economia.
O cargo de Chanceler do Tesouro é o mais antigo do Gabinete ministerial do Reino Unido, com o primeiro chanceler datando de 1221. Sim, a economia britânica é liderada por um ministro a exatos 800 anos.
No entanto, o período que mais interessa aos bitcoiners é o de 28 de junho de 2007 a 11 de maio de 2010, que corresponde ao lançamento do BTC. Na época, o cargo era ocupado por Alistair Darling, membro do partido Trabalhista que serviu durante todo o mandado do então primeiro-ministro Gordon Brown.
Mas, afinal, a manchete do The Times fala em um “segundo resgate” aos bancos britânicos. Então, como foi esse processo que levou Darling a estar presente na rede do BTC?
Tudo começou em setembro de 2007, exatamente um ano antes da eclosão da crise pelo mundo. Naquele mês, os britânicos presenciaram uma corrida bancária ao Northern Rock. Isto é, os clientes da instituição correram em massa para sacar seu dinheiro da instituição.
Este foi o primeiro sinal de alerta, visto que vez desde 1860 o Reino Unido não registrava uma corrida bancária. A princípio, o Banco da Inglaterra, banco central do Reino Unido, e a Autoridade de Serviços Financeiros (FSA, na sigla em inglês) possuem jurisdição nesses casos.
Contudo, a autoridade final para decidir sobre o apoio financeiro a um banco em circunstâncias excepcionais cabe ao Chanceler do Tesouro.
Embora o Lehmann Brothers tenha quebrado apenas em 2008, o Reino Unido começou a sentir uma crise liquidez em 2007. Como resultado, o Northern Rock não conseguiu obter empréstimos conforme exigido por seu modelo de negócios.
Darling autorizou o Banco da Inglaterra a emprestar fundos do Northern Rock para cobrir suas responsabilidades. O Northern Rock pegou 20 bilhões de libras emprestado do Banco da Inglaterra.
Além disso, o banco central forneceu aos contribuintes uma garantia não qualificada dos depósitos dos clientes. No entanto, Darling foi criticado por ter destinado uma soma bilionária de dinheiro público para socorrer um banco privado. Este foi o primeiro resgate aprovado pelo Chanceler.
O segundo resgate ocorreu um ano depois, no início de 2010. No mesmo ano, o partido Trabalhista perdeu as eleições e David Cameron, do partido Conservador, tornou-se o novo primeiro-ministro. Como resultado, Darling deixou o cargo em maio de 2010.
Em seu mandato, Darling presenciou tanto o início da crise quanto boa parte da trajetória de Satoshi na condução do BTC. E por fim, acabou sendo “homenageado” no primeiro passo de uma das grandes invenções do século XXI.
Luciano Rocha
